Na aula 171 d'O Novo Mercado, o Ícaro explica um pouco sobre o uso de contraste ao construir sua comunicação. Ele diz que gosta de jogar nos contrastes, porque essa é a única forma de chamar a atenção quando se é pequeno.
É claro que o pai deixou de ser um perfil pequeno há muito tempo. Mas velhos hábitos não morrem assim. Ele ainda usa a estratégia de vez em quando, e o faz de forma maravilhosa. Como você pode modelar a estratégia e começar a usar isso no seu próprio perfil?
PANO DE FUNDO
Contraste é a diferença ou oposição entre dois pólos. Dessa forma, precisamos de um problema, ideia ou situação da qual partir.
A pergunta enviada pelo usuário (trocadilho acidental) não tem nada a ver com o que vamos falar aqui, mas serve de pano de fundo para que o Ícaro possa contar um pouco de sua história e, através do uso do contraste, extrair um questionamento útil para o seguidor.
Resumindo, fulano diz que tomou esculacho de um policial enquanto fumava maconha. O pai não vai discutir essa questão, mas uma outra: qual a sua reação frente à vida? Não acha que, assim como o policial, você pode estar agindo de maneira desrespeitosa?
Temos o pano de fundo para o Contraste funcionar.
O SENSO COMUM
O senso comum atualmente diz que não há nada de errado em dar um pega. Você compra sua erva, paga suas contas. O que tem de errado em fumar unzinho?
Aqui estabelecemos uma linha: de um lado, o senso comum, que diz que o seguidor, se estiver indignado por tomar um esculacho, está no seu direito. Afinal de contas, "policiais são porcos folgados e fascistas, não é mesmo"? Do outro, o contra-senso, que nega tudo isso.
Antes de entrar na comparação propriamente dita, o Ícaro faz um pequeno desvio: vai nos contar um pouco da própria história. Ele costuma usar as histórias da vida dele e as experiências sob o filtro do contraste quando ele quer nos ensinar algo. Nesse caso, falaremos de impostura.
Impostura é utilizar-se de falsas aparências a fim de enganar alguém. O pai conta como sempre foi o malucão que fazia os negócios nas coxas, com desleixo e preguiça. Fazia, mas fazia tudo de qualquer jeito. Também nos conta como é que ele está tentando se livrar dessa parte do passado dele.
Nesse ponto, ele mostra que sabe do que está falando. Ele passou pela experiência de usuário de drogas. Ele se aproxima do seguidor na experiência compartilhada, e de nós, a audiência, que conhece um pouco mais da história imperfeita que antecede o mito que o Ícaro se tornou. Isso o humaniza, nos inclui em seu relato.
"As pessoas compram quando estão contigo, e elas só podem estar contigo se você mostra seu lado humano, sua fragilidade"
— Ícaro de Carvalho, na aula 171 d'O Novo Mercado
O CONTRASSENSO
Depois dessa parte expositiva, somos finalmente apresentados ao outro lado: "Se você está no treino, treine forte". Existe, sim, um problema ao fumar maconha antes de trabalhar: você não está sendo honesto com seu empregador. Você não está dando tudo de si e o está enganado ao fingir que está bem para trabalhar quando está chapado. Visto de outra forma, você está roubando dinheiro dele ao não render 100% enquanto ele te paga seu salário integralmente.
O tom dessa parte do texto é imperativa, agressiva. Até mesmo a escolha das palavras aqui contrasta com o estilo que ele usou até então.
O pai também aproveita o fato de ter transitado por todas as esferas envolvidas neste pequeno relato. Foi maconheiro, trabalhou para os outros, trabalhou sozinho, e agora é empregador. Isso, além de revelar credibilidade, garante que converse com a audiência toda de uma vez. Até mesmo a escolha da pergunta parece ter sido acertada, considerando que ele não tenha respondido aleatoriamente.
O Ícaro de hoje manda o Ícaro de antes tomar tento, porque já trilhou o caminho e sabe que onde está é melhor. E, através do uso adequado das palavras, ele manda que a gente tome tento também.
CONCLUSÃO?
Por fim, ao invés de uma lição, o autor nos deixa uma questão: você está sendo homem? Está sendo íntegro?
Aqui, a tensão do texto se dissipa. O Ícaro não manda o seguidor fazer nada de especial, e nem precisa. A mágica está toda feita nas etapas anteriores do texto.
Isso é legal ao se brincar com contrastes. Muitas vezes a gente não precisa nem mesmo ter uma conclusão para o texto - guiamos o leitor através das etapas comparativas para que o trabalho tenha o efeito desejado. Cabe ao leitor tirar da obra suas próprias respostas.